Lés a Lés Offroad, o que é? que interesse tem?a quem se dirige?qual a moto ideal?
Passados alguns dias desde o nosso regresso dos 1.000 kms realizados no Lés a Lés Offroad, e depois de reflectir um bom bocado sobre a experiência que vivemos, sobre as dúvidas que tínhamos e esclarecemos, sobre as sensações vividas, sobre as conversas que fomos tendo e as opiniões que fomos ouvindo, faz sentido publicar um artigo com todos estas ideias que daqui resultaram.
fotos: Paulo Ministro
O nosso objectivo jornalístico é como sempre o de esclarecer e ajudar os leitores a terem uma ideia bastante objectiva dos temas que tratamos e neste caso importa falar para os que lá estiveram, assim como para os que ainda não foram mas têm vontade de ir no próximo ano.
Primeiro que tudo há que fazer um elogio à Federação pela qualidade do evento, pela escolha do percurso que é da responsabilidade de uma pequena equipa liderada pelo Tómanel, e que nos faz atravessar Portugal literalmente de Lés a Lés por trilhos e caminhos de terra, com um mínimo de alcatrão.
Fazer todo o terreno no século XXI é privilégio só para alguns. Em Portugal ainda é possível, e este passeio é uma ocasião única para desfrutar os prazeres de fazer offroad, gozar a moto e a sua condução e passar em lugares únicos e do mais bonito que existe no mundo, ao longo de três dias bem longos.
O Lés a Lés é mesmo algo de único, e é importante o alcance desta frase, mas dito isto, só o é para quem assuma uma abordagem correcta e uma forma de participação que se adeque ao espirito dos seus organizadores.
Um passeio com 1.000kms de extensão percorridos em 3 etapas, que atravessam o país desde Trás-os-Montes, passando pelo Douro, Beiras, Alentejos, até ao Algarve. Três etapas muito extensas, dolorosas em termos de esforço fisico com dificuldade de transposição por vezes assinalável, e que proporcionam m enorme gozo, que se confunde com sacrificio a partir de um certo momento do dia, gerando muito cansaço, que depende do tipo de moto utilizado e do ritmo imposto por cada participante.
As etapas são bastante longas, e à partida não tinha bem a ideia do que ia de facto “custar”. Seria fácil e rápido, tipo chegar às 14.00 ao final e depois ficar a gastar tempo a beber minis, ou se seria mesmo difícil, ao ponto de já não conseguir mais estar em cima da moto e querer desistir?
Na primeira etapa a inexperiência notou-se bastante e com consequências negativas que nos impediram de percorrer os últimos troços em terra por falta de luz natural, com a organização a obrigar-nos a ter que fazer uma ligação em alcatrão até Pampilhosa da Serra. Arrancámos bem tarde nesse primeiro dia, pois ficámos à espera de um companheiro atrasado e depois não soubemos gerir bem as paragens e os abastecimentos. Os postos de abastecimento nem sempre estão no percurso e os consumos e autonomia também eram desconhecidos e a dada altura, estávamos no limite do depósito e em risco de ficar sem gasolina. Desde o arranque até à chegada a Pampilhosa passaram 11 horas, das quais a grande maioria foi em cima da moto. Felizmente o fisico aguentou bem e ao acordar no dia seguinte, o corpo respondeu bem e havia forças mais do que suficientes para cumprir a 2ª etapa.
Mas é importante explicar que na primeira etapa percorremos cerca de 380 kms (incluindo a ligação final). É muito muito longo, muito extenso e com média horárias muito baixas, pois o percurso era difícil.
Explicando o termo “difícil”, refiro-me às enorme e muito inclinadas subidas, com muita areia e pedras grandes e muitos regos. O pó foi um elemento altamente complicador da coisa. Havia mesmo muito muito pó, ao ponto de não ser possível perceber o que pisávamos se tivéssemos outras motos na nossa frente. A necessidade de seguir o homem do GPS provocava essa situação de levar com o pó dele e dos outros que alcançávamos. Perigoso mesmo, a questão do pó, pois ao arrancar para uma subida íngreme há que escolher o melhor possível onde vamos passar, para evitar aquele buraco maior ou aquelas pedras, enfim o que fosse. Só o pó levantado pela mota da frente impedia-nos, literalmente, de ver o terreno e poder escolher o caminho. A única opção era seguir precisamente por onde o homem da frente passava e tentar pisar o mesmo que ele acabara de pisar, pois ele tinha visibilidade e podia escolher. Só que isso impedia-nos por vezes de poder afastar-nos um pouco para o lado na tentativa de melhorar a visibilidade. E na dúvida, sem saber qual o obstáculo que vamos pisar, então mais vale rodar o punho, dar gás e ter a certeza que passa! Muito perigoso! A primeira etapa foi muito assim neste estilo, pelo menos toda a parte da manhã.
Para evitar esta situação, os grupos partiam-se, as pessoas separavam-se e duas a duas já era um pouco melhor.
Muitas subidas, algumas bastante “tricky” com um grau de dificuldade elevado para as motos Adventure que era o nosso caso. As motos de enduro, não passavam metade das dificuldades das Adventure, pela sua maniabilidade, menor peso e maior eficácia na transposição dos obstáculos.
Os enganos de percurso derivados dos erros de percepção e leitura do GPS obrigavam muitas vezes a dar uma volta de 180 graus, muitas vezes em locais inclinados e estreitos, o que não era fácil numa adventure.
O tempo passava mas não se avançava muito em quilometragem, devido aos obstáculos e velocidade muito lenta. Também passámos demasiado tempo no oasis a descansar e conversar, o que foi um erro.
Aprendemos a lição para o dia seguinte. Percebi que a autonomia da minha Ténéré era de cerca de 230 kms, então abasteci o deposito logo no primeiro oasis, a cerca de 200 kms da chegada. Entretanto aproveitei para mexer completamente na pressão dos pneus que estava péssima e não tinha confiança no comportamento da moto. Quando arranquei percebi que tinha um moto “nova”, com um comportamento muito mais eficaz e fui gradualmente ganhando confiança. Estava impressionado com a eficácia da moto, que entrava bem nas curvas sem hesitações da frente, e também muito mais segura nas travagens. O controle que agora sentia, traduzia-se num gozo cada vez maior. O GPS estava a funcionar bem, os meus companheiros queriam parar muitas vezes ver muitas paisagens e eu queria andar…queria curtir aquela Ténéré super leve, com uma suspensão muito boa que encaixava tudo quanto era pedra ou raiz de arvore, sem se queixar nunca. Fui andando e não parei mais, nem sequer nos oasis seguintes, uma vez que a autonomia estava controlada.
Cheguei pelas 16.00 horas ao final, em Coruche, o que foi uma enorme redução no tempo da etapa face do dia anterior. 4 horas menos para ser mais exacto, obviamente para uma distancia cerca de 100 kms mais curta.
Portanto foi uma nova experiência que me ajudou a perceber como se pode fazer o Lés a Lés.
Uma vez que os horários de saída são “liberais”, podemos sempre decidir o que fazer. No primeiro dia estava tudo muito excitado e compreendo que havia ali muita vontade de virar punho e acelerar a serio, mas nem todos estão no mesmo comprimento de onda. Alguns andam mal de moto, outros são francamente bons no todo o terreno e querem gozar.
É importante perceber estas diferenças, pois a ideia é não atrapalhar os mais rápidos, mas também não ser permanentemente incomodado por eles.
Também há pilotos agressivos nas adventure, e essas são mais brutais quando passam e nos varrem à pedrada, literalmente. Um participante que seguia à minha frente partiu a lente dos óculos com a chuva de pedras duma GS completamente louca, que passou a varrer a estrada com a traseira a percorrer toda a largura da mesma aos ziguezagues quase descontrolada. Há que ter um certo respeito pelos outros, pois o Lés a Lés não é uma prova mas sim um passeio.
Portanto, a acrescentar aos ensinamentos, se quiser fazer um bom Lés a Lés, com qualidade vida:
1- Escolha um boa moto Adventure o mais leve e maneirinha possível (aconselho Ténéré 700, ou KTM 790 Adventure, ou melhor ainda, uma Husqvarna 701, mas não escolha uma moto de enduro ou cross, não é esse o espirito) sendo que 75% das motos presentes são de enduro e não adventure.
2- Compre os melhores pneus que puder, e estude bem quais as pressões certas.
3- Escolha um companheiro ideal para percorrer toda a prova e evite andar inserido em grandes grupos, e leve o seu próprio GPS para estar sempre autónomo.
4- Nunca sair de manhã depois das 8.30, o dia é mais curto do que se pensa.
5- Abastecer o depósito sempre que possível, até atingir uma autonomia suficiente para chegar ao final. Os postos de abastecimento nunca estão onde precisamos deles.
6- Não parar todo o tempo, para comer e beber. No máximo 2 ou 3 paragens de 10 minutos. Se a etapa tiver 350 kms, pode parar nos oasis, mas não se demore nem arrefeça demasiado.
7- Imponha um ritmo vivo, mas sem exageros, para poder gozar a moto sem correr grandes riscos e poder reparar um pouco nas paisagens .maravilhosas.
8- Tenha cuidado com os outros no momento das ultrapassagens, não faça acelerações exageradas, para não projectar pedras.
9- No pó, com pouca visibilidade, se tiver que seguir alguém pise o mesmo terreno que a moto da frente.
10-Compreenda que não se trata de uma corrida mas sim de um passeio. mas mesmo assim é fundamental estar em boa forma física e a moto bem preparada. Não menospreze o esforço que lhe vai ser exigido. Não faça o Lés a Lés pra aprender a andar de moto, trate disso antes.
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