Paulo, jamais deixarei que se esqueçam deste dia…
12 de Janeiro de 2020. Era domingo. Acordei por volta das 09.30h e fui tomar o pequeno-almoço. Mas, antes de começar a comer, olhei para o telemóvel.
Tinha uma mensagem de um amigo no WhatsApp: “Jorge… Não estou a conseguir acreditar no que se passou com o Paulo…”
“Paulo? O Paulo Gonçalves? O que se passou? Não arrancou para a etapa de hoje? A moto avariou de novo? Caiu e magoou-se? Partiu uma perna? Ficou paraplégico?” lembro-me destas ideias me virem à cabeça numa fração de segundo, entre fechar o WhatsApp e abrir o Facebook…
Mas o impossível tinha acontecido. Assim que entro no Facebook, “caiu-me tudo”…”O Paulo morreu? Não pode ser! Não é possível! O Paulo que eu conheço é indestrutível! O Paulo que eu conheço, quando caía, levantava-se do chão à procura da moto ainda o pó não tinha assentado! É impossível isto ter acontecido ao Paulo!” pensei em negação.
Chamo a minha esposa: “O Paulo morreu! O Paulo morreu no Dakar!“. Ela responde “Mas como?“. Lendo a pouca informação que havia a essa hora, eu disse: “teve um acidente na etapa de hoje e morreu. Isto não pode ser verdade!“. De imediato a minha esposa reage: “Ele não tinha o cunhado a correr também nessa prova?“
E é aí que me dá o “click”: “O Quim! Como estará o Quim? Será que o Quim viu o acidente? Será que o Paulo foi transportado de helicóptero ainda com vida e o Quim o viu? Será que o Quim se apercebeu do estado do Paulo? Como estará o Quim?”
Na verdade, privei muito pouco com qualquer um deles mas conhecemo-nos há mais de 30 anos e tenho o orgulho de ter alinhado na mesma grelha de partida com o “Speedy” e com o “J-Rod” em dezenas de vezes… Mas, no mundo das corridas, o sentimento é que nos conhecemos todos uns aos outros desde sempre e, por isso, era impossível não pensar neles simplesmente como seres humanos (mais do que como pilotos), era impossível não pensar na esposa e nos filhos do Paulo, era impossível não pensar nos pais do Paulo, era impossível não pensar nos pais do Quim (sogros do Paulo)… pessoas com quem me cruzei durante toda a minha infância e juventude.
No dia do falecimento do Paulo, o pensamento que mais vezes me assolou foi: “eu devo estar a viver um pesadelo. Isto não pode ser verdade! Isto não pode ter acontecido!” e, com alguma raiva à mistura, cheguei a dizer: “mas porque é que ele conseguiu mudar o motor da moto sozinho na terceira etapa?! Mas para que é que ele o fez?! Por que raio aquela moto ‘pegou’ depois de ele trocar o motor?! Se a moto não trabalhasse depois daquele trabalho todo, ele ficaria fulo e desapontado… mas ainda estaria aqui connosco.“
No entanto, a certa altura do dia, surgiram as fotos e os vídeos do acidente e não restavam dúvidas… Era mesmo verdade que esta desgraça tinha acontecido. A imagem que mais me marcou foi ver o Joaquim Rodrigues em pé a olhar para o céu no meio do deserto, precisamente no local em que via o seu cunhado e amigo partir…
Mais tarde viríamos a saber que a zona onde o Paulo teve o acidente estava assinalada no “roadbook” com “perigo 2” quando, na verdade, era uma zona de elevada velocidade e com várias “ondulações” onde era impossível evitar alguns voos nestes “saltos naturais”.
Uns dias depois de chegar a Portugal – vindo do Dakar 2020 – Mário Patrão deu algumas indicações sobre o que poderá ter acontecido a Paulo Gonçalves: “O sítio onde o Paulo caiu estava marcado como ‘perigo 2’ e até se via bem. O problema é que havia uma segunda lomba e, essa sim, não se via. E o que fazemos nesse caso. Levantamos a roda da frente para tentar superar esse segundo obstáculo e a roda de trás é que vai absorver essa segunda lomba. Quando isto acontece em areia, não há qualquer problema. Mas quando é pedra ou algo com a dureza de uma raiz, isso tem um efeito desastroso. E foi isso que aconteceu ao Paulo. A moto caiu lá com a traseira e ele é cuspido por cima da moto.”
O funeral de Paulo Gonçalves realizou-se em Gemeses – a sua terra natal – no dia 24 de Janeiro de 2020. Não tive coragem para ir. Na minha cabeça, a imagem que eu tinha da força, da garra, da determinação e da resiliência do Paulo não eram “compatíveis” com a tristeza que eu viveria nesse dia.
Talvez tenha sido a desculpa que dei a mim mesmo para não ir para lá viver todo aquele sofrimento mas, nesse dia, fiz uma jura: através da minha escrita, jamais deixarei que se esqueçam do Paulo Gonçalves. Relembrarei todos os que lêem o meu trabalho do dia do seu falecimento, do dia do seu aniversário e dos dias dos feitos mais importantes da sua longa carreira. E foram mais que muitos…
Cumpro e cumprirei sempre esta minha promessa, Paulo!
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