TT – Dakar: Crónica de Pedro Bianchi Prata

By on 1 Fevereiro, 2017

A minha aventura no mundo do Dakar começou em 2005, quando preparei a primeira participação da minha equipa no rally mais duro do mundo, com o piloto Hélder Rodrigues. A partir daí tudo mudou. A minha vida mudou. O Dakar passou a fazer parte da minha vida e a ser o meu modo de vida. Cada momento é usado para encontrar forma de estar presente no próximo.

Já lá vão 12 anos. O Dakar mudou, mas a paixão continua a mesma. As sensações vividas no rally mais duro do mundo são únicas e só quem as vive consegue descrever e sentir.

No Dakar 2017 notou-se um esforço da organização para tentar dar um novo espírito de aventura à prova para que ela voltasse a ter um percurso com navegação difícil. Houve um esforço para que o espírito do Dakar voltasse a existir e para que esta competição não fosse considerada uma autêntica Baja, como em 2016. Mas, na minha opinião, esse esforço foi em vão.

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As novas regras para dificultar a navegação resultaram numa mega confusão em muitos dias. O Roadbook, que devia servir para nos indicar o caminho, acabou por ser uma arma para nos dificultar e criar a ideia que a navegação era difícil quando, na minha opinião, com a experiência de várias centenas de milhares de quilómetros de roadbooks, o do Dakar 2017 não estava feito a pensar nos novos WPC sem seta. Faltavam pontos de referência, pormenores importantes, os desenhos eram imprecisos e induziam-nos em erro. Estes são detalhes importantes que não se admitem num Rally como o Dakar.

O negócio que é Dakar obriga o percurso a passar por vários países e por várias cidades-chave que nos obrigam a fazer muitos quilómetros em asfalto – este ano mais de 6000km – e a passar em regiões que, apesar da criatividade dos responsáveis pelo percurso, são zonas sem interesse algum para a modalidade de Rally Raide.

A juntar a todas estas condicionantes veio a chuva e o mau tempo. Será que não sabiam que ia chover? Claro que sim. Nós já sabíamos há muito tempo que ia chover e estar frio. Por isso, as anulações de tantas etapas não foram uma surpresa, simplesmente mostraram a falta de capacidade da organização em resolver problemas para favorecer a parte desportiva e os pilotos. Isso demonstrou que só se preocuparam em honrar os compromissos de passar nas tais cidades-chave. E este cenário repetiu-se durante todo o Dakar.

O meu Dakar foi sem dúvida o mais tranquilo dos 9 em que participei e terminei. Pensava que já estava de fora, pois embora estivesse inscrito não tinha conseguido reunir toda a verba para participar. Mas no dia 19 de dezembro, a 9 dias da partida para o Paraguai, foi-me feito um convite para pilotar uma Honda CRF450 Rally e ajudar a equipa oficial. Sem dúvida que esta foi uma oportunidade única, com condições excecionais, mas com regras e objetivos muito bem definidos. Eu sempre estive muito bem consciente de que não estava na equipa para mostrar que era um piloto rápido ou que tinha algo a provar. Quem, no Dakar, passa dos seus limites vai para casa mais cedo e, normalmente, com uma viagem de helicóptero médico incluída. Eu estava no Dakar 2017 para ajudar, com a minha experiência de dirigente de uma equipa em 11 Dakar’s e de piloto com 8 Dakar’s terminados, com conhecimentos de mecânica e capacidade para resolver problemas sobre pressão.

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Nunca desviei o pensamento das minhas funções, nem por um segundo, e sempre que foi preciso resolvi os problemas e ajudei em tudo o que me foi pedido e proposto.

Gosto de fazer o papel de mochileiro e foi com enorme prazer e orgulho que usei as rodas e poupei os pneus no primeiro dia da etapa maratona, para o Barreda no segundo dia ganhar a etapa. Fiz um check up geral nas 4 motos dos pilotos da equipa para verificar que tudo estava ok. Na noite da etapa maratona (e mesmo durante todo o Rally) carreguei vários quilos de peças que nunca foram precisas, mas que me davam a segurança de que, se algo se passasse, eu estaria por perto e com tudo para poder resolver o problema.

O meu resultado sempre foi secundário. As mais de 2h30m em que fui penalizado para ajudar o Ricky Brabek a levar a sua moto até ao Bivouac em nada me incomodaram. A hora que perdi na última especial para deixa passar todos os pilotos da equipa e ter a certeza que todos chegariam ao final sem problemas também não me incomodaram. Esse era o meu trabalho e eu tinha consciência disso.

Nunca corri um risco desnecessário, não apanhei um único susto, fiz um Dakar sem uma única queda a mais de 20 km/h e não fiz um único risco nesta que era a primeira moto que não era minha que usei num Dakar.

Foi uma experiencia única e gratificante trabalhar com profissionais deste nível e sentir que fazia parte de uma das melhores equipas do mundo e que podia ajudar a melhor marca de motos do mundo, a HONDA.

Na minha opinião, e os tempos cronometrados nas etapas falam por si, os vencedores do Dakar foram o Barreda, o Paulo e a Honda. Sei que toda a equipa foi penalizada em uma hora por termos abastecido num local que não era permitido, numa neutralização entre duas especiais.

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A intenção da equipa nunca foi enganar ninguém, não fizemos nada às escondidas. Pelo contrário: abastecemos à frente de toda a gente num local público e igual ao que, todos os dias, durante todo o Dakar, os pilotos usaram entre as especiais ou nos muitos quilómetros de ligações. A organização concluiu que não era permitido abastecer. A nossa equipa fez uma má interpretação do Roadbook e deu instruções a todos os pilotos para abastecerem nessa bomba de gasolina. Penalizados uma hora? Mas em algo alteramos a verdade desportiva? Beneficiamos com este abastecimento? Nada. Partimos para a especial com os mesmos litros de gasolina que toda a gente. A única coisa diferente foi que, no abastecimento anterior abastecemos menos 7 litros.

Eu sei que a organização sofreu muitas pressões por parte de outra equipa para nos penalizar. Sei que essa equipa chegou ao ridículo de fazer um abaixo assinado por todo o acampamento pressionando piloto a piloto a assinar, para a conclusão ser a desclassificação e exclusão de toda a equipa da Honda do Dakar.

Será que é assim que se ganha um Dakar?

Será que a vitória do Dakar deve ser decidida na secretaria? Por políticas e interpretação de regras? A Honda mostrou ter a melhor moto, os melhores pilotos. Por isso, era só dessa forma que poderiam parar a vitória da Honda.

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Uns dias depois da penalização e de a Honda ter feito um contraprotesto a demonstrar que não era proibido abastecer no tal local, a resposta que ouvimos por parte da organização foi que o protesto foi entregue depois do prazo de 24 horas e que, embora estivesse provado que era permitido abastecer, a penalização não ia ser retirada.

Bem sei que as regras são para cumprir e realmente o contraprotesto foi entregue fora do prazo, mas se a penalização foi mal aplicada não seria necessário entregar nenhum contraprotesto. Foi assim que se decidiu a vitória no Dakar.

Sei que a equipa vencedora é muito boa, tem uma experiência enorme e uma capacidade organizativa gigante. Não se ganham 16 Dakar’s seguidos ao acaso. O Sam é um piloto muito bom, trabalhador, dedicado e fez um Dakar sem erros. Depois da penalização da Honda, de certeza que as ordens foram para gerir e abrandar, o que ele fez na perfeição.

Mas, no fundo, todos sabemos que nenhum piloto que acabou este Dakar, em condições normais, tinha andamento para o Paulo e para o Barreda.

Este foi o meu Dakar e o primeiro ano de domínio da HONDA.

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